Sem escolas cívico-militares, 892 militares perdem bônus de até R$ 9 mil.-PECIM

14/07/2023

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

13/07/2023 15h15

Com o fim do Pecim (Programa de Escolas Cívico-Militares), os militares da reserva que trabalham em unidades ligadas ao programa vão perder um bônus mensal de até R$ 9 mil — o valor muda de acordo com a patente. Os bônus constam em nota técnica do Ministério da Educação à qual o UOL teve acesso.

O que aconteceu

O governo Lula (PT) encerrou ontem o programa em ofício enviado aos secretários da Educação. São pouco mais de 200 escolas vinculadas ao programa em todo o país.

892 militares da reserva atuam em 120 dessas escolas. Eles recebem bonificações que incluem auxílio-alimentação, adicional natalino e férias. A reportagem procurou os ministérios da Educação e da Defesa, mas eles não explicaram como vai ficar a situação.

Desse total dos militares, 868 atuam diretamente nas escolas, 10 em funções nas pastas da Educação e Defesa e 14 em posições como coordenadores ou subcoordenadores regionais.

O valor mais alto é destinado aos coronéis — nesse caso, o bônus chega a R$ 9,1 mil. O mais baixo é pago para terceiro-sargento e fica em torno de R$ 2,6 mil. Os bônus recebidos pelos militares que atuam nas escolas se somam às suas rendas como inativos.

Os bônus podem superar os salários de professores da rede pública no Brasil — hoje, o piso salarial dos professores é de R$ 4,4 mil.

O Pecim foi criado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi do Exército e mantém proximidade com os militares. O modelo, entretanto, funciona desde os anos 1990.

 Orçamento foi usado somente para pagar bônus

Entre as justificativas para suspender o programa, o MEC citou a baixa execução orçamentária relativa ao programa. O ministério gastou a verba para pagamento dos militares — mas para programas o empenho não chegou a 1%, segundo a pasta.

Entre 2020 e 2022, foram disponibilizados cerca de R$ 98 milhões e apenas R$ 245 mil foram de fato gastos. "Salta aos olhos a dificuldade de execução" da verba para essa linha do orçamento, argumentou a pasta.

Já com os bônus, entre 2020 e 2022, o MEC desembolsou R$ 98 milhões. Para 2023, a previsão é de R$ 86 milhões. O ministro da Educação, Camilo Santana, reforçou hoje que deverá haver transição do modelo cívico-militar para o regular.

Alguns governos — como São Paulo e Paraná, aliados a Bolsonaro — anunciaram ontem que vão assumir as escolas que fazem parte do programa federal. Hoje, no Paraná, policiais militares atuam em escolas estaduais cívico-militares.


Um dia depois de o governo Lula anunciar o fim do Pecim (Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares), o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou uma ação civil pública para proibir que colégios militares e cívico-militares "imponham padrões estéticos e de comportamento baseados na cultura militar".

O que aconteceu?

A ação quer vedar que essas escolas interfiram em decisões estritamente pessoais, "sem qualquer relação para a melhoria do ensino", diz nota divulgada pelo MPF. "Tais como cabelos, unhas, maquiagem, tatuagem, forma de se vestir."

A Procuradoria pede ainda que esses colégios "se abstenham de punir os alunos em virtude da apresentação pessoal". Protocolada na Justiça Federal do Acre, a ação "tem efeitos nacionais".

Para o MPF, a imposição de padrão estético uniforme aos alunos, quanto ao tipo de corte de cabelo, roupas, maquiagem e outros adereços possui impacto negativo desproporcional em indivíduos de grupos minoritários e revela verdadeira discriminação injustificável.
Ministério Público Federal

O que determinam os colégios?

Os colégios militares obrigam que "cabelos volumosos serão usados curtos ou presos". Já os cabelos curtos podem ser soltos, o que representa, "racismo institucional com as pessoas pretas e pardas, com cabelos cabelos crespos e cacheados", diz o MPF.

A valorização do cabelo afro significa expressão de luta e faz parte da redefinição da identidade negra.
MPF, em nota

Alunos não podem se mexer demais. A instituições também proíbem comportamentos como "mexer-se excessivamente" ou "ler jornais contra a moral e bons costumes", descreve a Procuradoria.

Essas restrições estéticas seguiriam "uma visão de mundo limitada da realidade". "Sem nenhuma vantagem comprovada na experiência de aprendizado", diz o procurador Lucas Costa Almeida Dias.

Lula manda encerrar Pecim

O Pecim, que será encerrado por Lula, era um dos principais pilares do Ministério da Ecucação na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As escolas serão reintegradas ao formato regular.

O programa vai acabar até o final do ano, segundo documento enviado aos secretários estaduais de Educação. A gestão do Pecim é dividida entre as pastas da Educação e da Defesa.

O programa induz o desvio de finalidade das atividades das Forças Armadas, invocando sua atuação em uma seara que não é sua expertise e não é condizente com seu lugar institucional no ordenamento jurídico brasileiro.
Nota técnica do MEC

O MPF afirma que a decisão anunciada ontem pelo governo "não repercute na presente ação civil pública", porque o objeto "é mais amplo". O processo também inclui as escolas públicas militares estaduais e federais, e pretende suspender, "de imediato", a as regras dos colégios em respeito "às limitações à privacidade e intimidade".

Hoje, o UOL revelou que, com o fim do Pecim, os militares da reserva que trabalham em unidades ligadas ao programa vão perder um bônus mensal de até R$ 9 mil —valor que muda de acordo com a patente. Os bônus constam em nota técnica do Ministério da Educação à qual o UOL teve acesso.