Por essa dificuldade em identificar o real autor da emenda é que o uso dessa verba ficou conhecido como "orçamento secreto".
Questionado em ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal de Contas da União (TCU), o chamado "orçamento secreto" surgiu com a criação de uma nova modalidade de emendas parlamentares.
Emendas são recursos do Orçamento direcionados por deputados a suas bases políticas ou estados de origem. As verbas devem ser usadas para investimentos em saúde e educação.
As emendas podem ser:
- individuais: cada parlamentar decide onde alocar o dinheiro. Em 2021, o montante total reservado é de R$ 9,7 bilhões, divididos igualmente entre os deputados;
- de bancada: emendas coletivas, elaboradas por deputados do mesmo estado ou região. O total reservado no Orçamento para este ano é de R$ 7,3 bilhões;
- de comissão: emendas coletivas de comissões permanentes da Câmara ou do Senado. Não há recursos reservados para esta modalidade de emendas neste ano.
Todas essas emendas permitem a identificação do parlamentar e das bancadas que destinaram recursos públicos a determinados locais.
Em 2019, o Congresso aprovou a criação de um novo tipo de emenda, chamado emenda de relator.
Este tipo de emenda permite a identificação do órgão orçamentário, da ação que será desenvolvida e até do favorecido pelo dinheiro. No entanto, o deputado que indicou a destinação da verba fica oculto. O dinheiro é repassado na figura do relator do Orçamento, que varia ano a ano.
"As emendas de relator constituem o mais promíscuo instrumento, das últimas décadas, na barganha política entre o Legislativo e o Executivo. Nunca vi um instrumento tão ruim. É um jabá orçamentário", afirma Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas.
Em 2021, o montante reservado para emendas do relator é de R$ 16,8 bilhões. Isso significa que esse dinheiro poderá ser destinado à base política de um parlamentar sem que ele seja identificado.
STF e Congresso Nacional vivem embate sobre legalidade das "emendas de relator"; entenda o caso - Agência Câmara
O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) criou um orçamento paralelo bilionário em emendas, no final de 2020, para conseguir apoio do "Centrão" no Congresso Nacional. Uma série de reportagens publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo revelou o escândalo a partir de centenas de ofícios enviados por deputados e senadores a ministérios do Executivo federal.
Os documentos, obtidos pelo jornal ao longo dos últimos meses, mostram que esse esquema atropela leis orçamentárias, já que são os ministros e não os congressistas que deveriam definir onde aplicar os recursos. Além disso, os acordos e o direcionamento do dinheiro não foram públicos, assim como a distribuição não foi igualitária entre os congressistas, evidenciando um interesse eleitoral do governo.
Na madrugada desta terça-feira (9), em sessão virtual no Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Luís Roberto Barroso seguiram a posição da relatora, a ministra Rosa Weber, e votaram pela suspensão do "orçamento secreto". Durante a manhã, o ministro Edson Fachin concordou com os colegas e proferiu voto no mesmo sentido. O placar estava 4 a 0 pela suspensão do esquema até a publicação desta reportagem.
Nessa segunda (8), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), enviou uma manifestação ao STF e defendeu a derrubada da decisão liminar de Rosa Weber. Lira pediu, ainda, que os pagamentos de emendas de relator continuem em vigor até o julgamento das ações.
O chefe da Câmara alega que as emendas de relator são assunto do Congresso. No documento, Lira argumenta que "as ações tratam eminentemente de matéria interna corporis, tendo em vista que a previsão de emendas do relator não é matéria de ordem constitucional e está prevista apenas na Resolução n° 01/2006-CN".
O Brasil de Fato preparou perguntas e respostas sobre o tema. Leia:
Quando e como o tema surgiu no noticiário?
No início de maio o jornal Estado de S. Paulo teve acesso a documentos que revelam que o governo federal, através do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), disponibilizou R$ 3 bilhões num "orçamento paralelo" para deputados e senadores destinarem a ações em suas bases, apesar de isso não ser especificado na Lei Orçamentária.
O que são as emendas do orçamento secreto?
As emendas de relator são um dos quatro tipos de emendas existente. São elas: a individual, a de bancada, a de comissão e a da relatoria. A diferença da de relator para as outras é que ela é definida pelo deputado federal ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano, em negociações geralmente informais com os demais colegas.
Qual a origem do dinheiro?
O dinheiro do orçamento paralelo é fruto de um acordo entre governo e Congresso no começo de 2020. O valor total é de R$ 20,1 bilhões, e deste total, R$ 3 bilhões foram para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
Por que é chamado de "secreto"?
Embora o dinheiro do esquema esteja no Orçamento Geral da União de 2020, a destinação das verbas é feita de forma sigilosa - a partir de acordos políticos. Ao contrário das emendas individuais, não é possível saber quem indicou o quê.
Qual o benefício disso para o governo Bolsonaro?
A medida é uma forma de beneficiar alguns congressistas com "emendas extras" para aplicarem em suas bases. Eles escolhem ações em municípios com prefeitos aliados e, assim, podem garantir a reeleição desses deputados e senadores em 2022. Dessa forma, o governo negocia apoio em votações importantes no Congresso Nacional.
O que dizem os políticos bolsonaristas?
Na versão de congressistas que apoiam o presidente, o dinheiro envolvido no esquema seria de emendas parlamentares regulares, como as que são distribuídas todos os anos. Não é verdade: embora tenha origem na Lei Orçamentária, o dinheiro do orçamento secreto foi distribuído de forma desigual entre os congressistas, conforme a vontade política do governo. Não há transparência, como ocorre com as emendas parlamentares, sobre os acordos para divisão das verbas.
O que isso tem a ver com PEC dos Precatórios?
Às vésperas da votação do primeiro turno da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, o governo Jair Bolsonaro liberou R$ 909,7 milhões em emendas de interesse dos deputados federais em apenas dois dias, a partir das emendas de relator. Os recursos foram empenhados pelo governo nos dias 28 e 29 de outubro, segundo levantamento da ONG Contas Abertas.
Edição: Vivian Virissimo