Relator no STF, Fachin vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas

13/09/2021

Relator no STF, Fachin vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas
Por Rosanne D'Agostino,  - Brasília
09/09/2021 
Relator no STF, Fachin vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin votou nesta quinta-feira (9) contra a aplicação da tese do "marco temporal" na demarcação de terras indígenas no país.
O STF julga, desde o dia 26 de agosto, se a demarcação de terras indígenas deve seguir o critério que define que índios só podem reivindicar a demarcação das terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988, o chamado "marco temporal".
Relator do caso, Fachin defendeu que a posse indígena não se iguala à posse civil e não deve ser investigada sob essa perspectiva, e sim, com base na Constituição - que garante a eles o direito originário às terras.
Na sessão desta quinta, apenas Fachin concluiu o voto. O ministro Nunes Marques chegou a iniciar a leitura de seu posicionamento, mas só deve concluir o voto na próxima quarta (15).


Marco temporal sobre terras indígenas: entenda ponto a ponto o que é julgado no STF
"Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente", afirmou o relator.


Segundo Fachin, "os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos fundamentais, que garantem a manutenção das condições de existência e vida digna aos índios" e "a terra para os indígenas não tem valor comercial, como no sentido privado de posse". "Trata-se de uma relação de identidade, espiritualidade e de existência", disse.
O ministro ponderou também que aplicar o caso Raposa Serra do Sol, em que o Supremo reconheceu o marco temporal, a todas as demarcações é desconhecer a existência de diversas etnias indígenas.
"Muito embora decisão tenha a eficácia de coisa julgada em relação à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, ela não incide automaticamente às demais demarcações de áreas de ocupação tradicional indígena no país", argumentou.
Segundo o ministro, "não se desconsidera a complexidade da situação fundiária brasileira, menos ainda se desconhece a ampla gama de dificuldades dos produtores rurais de boa-fé".
"No entanto, segurança jurídica não pode significar descumprir as normas constitucionais, em especial aquelas que asseguram direitos fundamentais". "Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição brasileira.

Ministro defendeu que posse indígena é diferente da posse civil porque Constituição garante 'direito originário' às terras. Julgamento definirá parâmetro a ser usado em demarcações no país.

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar se demarcações de terras indígenas devem seguir o chamado "marco temporal". Por esse critério, indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988 (veja mais abaixo).

A discussão põe ruralistas e povos originários em lados opostos. O governo Bolsonaro é favorável à tese.

A decisão pode definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país. Indígenas de todo o Brasil acamparam na Esplanada dos Ministérios em protesto contra o marco. Eles promoveram manifestação pelas ruas da capital federal.

A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado "direito originário" sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados por lei os primeiros e naturais donos desse território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras ocupadas originariamente por esses povos.


QUEM DEFENDE?

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), uma organização não governamental, a tese do marco temporal vem sendo utilizada pelo governo federal para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa indígena temem que demarcações de terras já feitas sejam revogadas caso o STF valide o marco temporal.

Já proprietários rurais argumentam que há necessidade de se garantir segurança jurídica e apontam o risco de desapropriações caso a tese seja derrubada. Assim como os ruralistas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é favorável à tese do marco temporal.

Qual o impacto para indígenas e terras?

Se a tese do marco temporal for aceita pelo STF, indígenas poderão ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não se comprove que estivessem lá antes de 1988 e sem que se considerem os povos que já foram expulsos ou forçados a saírem de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastam por anos, poderão ser suspensos.
 O marco temporal também irá facilitar que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, possam ser privatizadas e comercializadas. A comercialização responde ao interesse do setor ruralista.
Por que o caso foi parar no STF?

Em 2013, o TRF-4 havia aceito a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.

A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina. Agora, o STF julga um recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai) que questiona a decisão do TRF-4. E o que for decidido pelos ministros da Corte criará um entendimento que poderá ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.

Quando julgamento deve ser retomado?

O julgamento no Supremo começou em 26 de agosto, foi suspenso e retomado em 1º de setembro, com a apresentação de manifestações de entes interessados. São mais de 30 entidades cadastradas para se pronunciar. 


Marco temporal no Congresso

Além do processo que corre no Judiciário, um projeto que tramita na Câmara dos Deputados tenta transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

A proposta do legislativo altera o Estatuto do Índio para permitir, segundo o texto, um "contrato de cooperação entre índios e não índios", para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados "para intermediar ação estatal de utilidade pública".

Proposto originalmente em 207, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos em 2009. Em 2018, acabou arquivado. No entanto, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do presidente Bolsonaro, que prometeu acabar com "reserva indígena no Brasil".


Em 29 de junho deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL é constitucional. Agora, a proposta aguarda análise do plenário da Casa, o que não tem data prevista. Se for aprovado no plenário, o texto ainda precisará passar pelo Senado antes de ser, eventualmente, sancionado.